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Cabo Verde está a transformar-se num País moderno, competitivo e com forte coesão social

   

Como é que define o seu percurso enquanto político?

– Estou na política desde muito jovem. Na década de setenta, logo após a independência, participei nos movimentos associativos dos estudantes do Liceu Domingos Ramos, na Juventude Africana Amílcar Cabral e, mais tarde, entrei nas fileiras do PAICV, mais precisamente em 80. Depois, fui estudar ao Brasil e no regresso retomei a minha actividade política na Juventude Africana Amílcar Cabral e no Partido. Participei activamente no processo de transição para a democracia, fui eleito deputado em 96, em 2000 Presidente da Câmara Municipal de Santa Catarina e também presidente do PAICV. Ganhei as eleições legislativas nos anos de 2001 e 2006 e, agora, vou concorrer para as novas eleições de 2011.

Como é que surgiu esse bichinho da política, como é que despertou?

– Desde criança tive um desejo intenso de servir as pessoas, de realizar o bem comum. Sempre me pareceu que uma pessoa para se realizar, para criar, teria de trabalhar para que as pessoas vivessem bem, sem pobreza, com muita dignidade e acho que esse é o fermento da minha acção política.

Deve ter, claro, algumas referências e uma delas é certamente o Amílcar Cabral de que tanto fala. Como é que o pensamento de Cabral marca a sua forma de actuar na política?

4902– Eu li muito sobre Amílcar Cabral na década de 70. Logo após a independência, tive os primeiros contactos com os textos das obras escolhidas de Amílcar Cabral. Fui devorando-os e os textos publicados conheço-os muito bem, mesmo alguns textos não publicados, que me foram facultados depois pela Fundação Amílcar Cabral. Mas eu leio muita literatura política, muito do Norberto Bobbio, Giovanni Sartori e muita biografia, sobre Churchill, Salazar, Marcelo Caetano, Hitler, Margareth Thatcher, Ronald Reagen, sobre Filipe González.

Li os textos de Cavaco Silva e de Diogo Freitas do Amaral que são riquíssimos, os dois volumes de Almeida Santos e, também li a "Arte da Política" do Fernando Henrique Cardoso, li vários livros sobre Lula da Silva escritos pelo Professor Doutor Cândido Mendes, e fui construindo as minhas ideias políticas que estão mais voltadas para o centro esquerda. Mas chego à política estribado nos valores da doutrina social da Igreja, de modo que através dessas leituras da acção política, referências africanas, vejo o Amílcar Cabral, vejo (Kwame N'Kruma, Patrice Lumumba, Nelson Mandela. Li – "Os Caminhos da Liberdade" de Mandela -, um livro fulcral, e a partir daí construo a minha visão de Cabo Verde e da África sobre as lideranças e sobre o Estado.

A construção de Estados capazes em África tem sido uma grande preocupação minha, a partilha do poder nos diferentes países, a descentralização do poder em África. Porque considero que os grandes desafios da África do ponto de vista institucional tem a ver com a construção de Estados capazes, com a partilha do poder, com o respeito pelos direitos das minorias e da oposição, com a tolerância, o respeito pela diferença e a responsabilidade. E são esses os aspectos essenciais que têm me servido como referência, para saber o que não devo fazer ao analisar o comportamento dos vários líderes no mundo e buscar os meus próprios caminhos.

E por falar nessa visão de política, entrando já para o seu período enquanto Primeiro-Ministro, como foi ser Chefe do Governo durante esses 10 anos? Acha que tem conseguido implementar essa sua visão do que é a política e do que quer para o País?

dsc_4900– Eu acho que Cabo Verde mudou completamente. Há uma nova forma de fazer política. Nós tentamos pedagogicamente introduzir uma política com mais afecto, com mais poesia. Uma política que é feita com nobreza, respeitando o direito das minorias e das oposições, que não considera a política como uma relação de amigo/inimigo, mas que deve estribar-se no respeito mútuo, no respeito pela diferença e por uma ética de responsabilidade, na construção de consensos, no respeito pelas regras do jogo democrático e na realização do bem comum. E penso que, hoje, a sociedade está mais descrispada, há muito mais liberdade de expressão. Eu diria que nestes últimos anos parafraseando Corsino Fortes – "há mais pão e mais fonemas".

Mais do que a liberdade é saber lidar com a liberdade. Acredita que o cabo-verdiano vai melhorando esse aspecto?

– Nestas questões é preciso fazer o caminho, ir aprendendo. Há excessos, houve excessos. Eu acho que o maior defeito da década de 90 tem a ver com os excessos, com extremismos, com uma ausência de sentido de Estado, com a ausência da ética no exercício do poder político e com a ausência de uma visão, sendo que a política passou a ser mais na base do espertismo e não na base de um ideário de valores e de princípios. E penso que, avaliando os últimos anos, constatamos que há grandes mudanças, na comunicação social, na sociedade cabo-verdiana e já há um debate mais fundamentado, apesar de estarmos, ainda, a fazer o caminho.

E enquanto governante terá tido momentos mais fáceis, momentos mais difíceis, mas no âmbito geral, como é que considera esses anos de governação, como tem sido ser Primeiro-Ministro?

– Para mim foi um percurso maravilhoso. Os três primeiros anos foram os mais difíceis. A situação do País era extremamente grave, havia uma grande derrapagem institucional, havia uma grande instabilidade a nível dos fundamentais da economia, havia também alguma descrença no país. Hoje, Cabo Verde é um país muito confiante no seu futuro, uma nação vencedora, com grande ambição, que quer ser grande, moderno e competitivo. E acho que foi muito bom para este arquipélago porque conseguimos partilhar com os cabo-verdianos esses novos ideais, os nossos sonhos e o trabalho comum para realizar esses mesmos sonhos.

Cabo Verde vive sem dúvidas um grande momento de transformação nesses últimos 10 anos e o Primeiro-Ministro será certamente a figura, o chefe, o homem do leme desse processo. Quais foram os alicerces dessa transformação?

– Veja, em primeiro lugar, foi preciso partir de determinados valores essenciais. Esses valores passam pela ideia de que o poder num País como Cabo Verde deve ser exercido com ética e limites. As manchas de pobreza que ainda existem, os problemas habitacionais, a discriminação de grupos minoritários, as desigualdades na distribuição de poderes entre homens e mulheres, obriga-nos a ser extremamente responsáveis, a ter uma ética de responsabilidade e trabalhar para a realização de consensos entre os principais actores políticos, entre a sociedade civil e a sociedade política, entre os parceiros sociais, fazer o diálogo político e social que é necessário para garantir tanto a estabilidade institucional, como a estabilidade social, e respeitar sempre as regras do jogo democrático, para realizar o bem comum. Depois, é construir uma visão que é partilhada por todos e motivar a nação para realizar essa visão e estratégia de transformação.

Foi isso que nós fizemos com resultados extraordinariamente positivos e, hoje, Cabo Verde está a mudar, está a transformar-se num país mais moderno, mais competitivo, com forte coesão social e estamos, também, a realizar um desenvolvimento amigo do ambiente. Isso significa que fizemos um grande percurso e as cabo-verdianas e os cabo-verdianos estão profundamente sensibilizados e motivados para essa jornada maravilhosa de transformação deste País.

E de todos esses ganhos quais os mais assinaláveis, quais os momentos mais marcantes?

– Há alguns momentos marcantes como a Parceria Especial com a União Europeia. A princípio, quando os líderes europeus receberam essa minha proposta foi com um grande cepticismo, era quase que impossível. Outros momentos, igualmente, marcantes foram o facto de termos ascendido a País de Rendimento Médio, o facto de sermos seleccionados para o compacto do Millenniun Challenge Account, de termos sido o primeiro país africano a concluí-lo e de termos sido o único a ser seleccionado para o segundo compacto desses fundos. O facto de termos conseguido aderir à Organização Mundial do Comércio (OMC), de termos garantido os equilíbrios fundamentais da economia, de termos conseguido fazer uma profunda reforma do sistema de Segurança Social, sobretudo, o sistema não contributivo, de termos aprovado o acordo de concertação estratégica com todos os parceiros sociais, sindicatos e o patronato, de termos conseguido fazer uma revisão consensual da Constituição e do Código Eleitoral, e de constatarmos, uma grande energia e um grande optimismo nos cabo-verdianos que são recursos essenciais para a transformação de Cabo Verde.

Por falar em optimismo, o PM tem essa característica, muitas vezes até é alvo de algumas críticas negativas por ser considerado demasiado optimista, o certo é que vai conseguindo levar o barco a bom porto. Como vê o País daqui a 10/20anos?

dsc_48941– Eu vejo um Cabo Verde moderno e competitivo. Um País desenvolvido onde as pessoas vivem com mais qualidade de vida. Veja, estamos a realizar o programa "Casa para Todos", estamos a realizar o "Mundo Novo" que vai garantir a interconexão gratuita de todas as universidades, de todos os liceus, todas as escolas do país e, juntamente, com os espaços "Konecta", vamos digitalizar o País, digitalizar as nossas escolas, vamos ter para cada cabo-verdiano um computador e isso é extraordinário para o futuro, para construir um país sem limites e sem fronteiras. Veja todo o programa da modernização das infra-estruturas, de portos e aeroportos, estradas, águas, saneamento, electricidade, telecomunicações. Vamos ter um país 100% electrificado, com uma política energética orientada por energias limpas e por uma grande eficiência energética, e vamos ter portos modernos com terminais de passageiros com barcos a fazerem inter-ilhas, ou seja, continuar a ser um País seguro, com muita tolerância, pois Cabo Verde deverá continuar a ser um país de diálogo, entre culturas e civilizações. Esta é uma marca de Cabo Verde, cujas ilhas serão uma preciosidade para a humanidade.

Para terminar, passando do País para José M. Neves enquanto homem e político, como gostaria de ser visto?

– Como um servidor. Formei-me numa Escola de Negócios e de Governação, onde estudei finanças públicas, economia, relações internacionais, teoria das organizações, liderança e gestão de conflitos, que no meu ponto de vista são ferramentas poderosas para a governação de um país. E o meu grande objectivo é realizar o bem comum.

Daqui a muitos anos quero ser lembrado como quem doou ao seu país toda a sua energia, todas as suas capacidades para que este país pudesse realizar os seus sonhos, pois acho que nesses anos colocamos os alicerces e os pilares e considero que depois dessa primeira década Cabo Verde em nada será como antes. O País está a mudar, está a transformar-se e, ainda que não tenhamos, hoje, a dimensão exacta de todo esse processo transformacional, este arquipélago nunca mais será como dantes. É como um líder transformacional, um servidor de Cabo Verde que eu gostaria de ser lembrado!

Aproveitando a quadra festiva, quais as palavras que gostaria de deixar aos cabo-verdianos e um desejo para o próximo ano?

entrevista_pm– Quero dizer a todos os cabo-verdianos que é importante conseguirmos que o ano de 2011 seja um ano de muitos sucessos para todos, de mais prosperidade para todos, de mais realização dos nossos sonhos. O meu grande desejo é que continuemos juntos essa jornada maravilhosa de transformação de Cabo Verde, porque juntos podemos muito mais.